Desabafo sobre fim de estágio

Acabei ontem o meu estágio profissional.
Despedi-me daqueles que achei serem merecedoras de uma despedida decente, daqueles que me ajudaram e me acompanharam ao longo destes 9 meses. Desde superiores até operadores de linha (estagiei numa fábrica).
Apanhei muita gente de surpresa. Acho que já não me olhavam como um estagiário desde há algum tempo, ou pelo menos como alguém insatisfeito e a querer sair. 

Entrei como um miúdo. 9 meses não são um período assim tão longo como isso, mas sinto que saí muito mais homem, muito mais calejado para o futuro. 
Já lá tinha estado 4 meses a escrever a minha tese. A minha superior era temida por muitos lá dentro. Metia medo nas pessoas, autoridade onde passava. Sabia lá alguém que passados 2 meses de estágio eu a estaria a substituir quando esta foi para casa com uma gravidez de risco. O que é irónico, pois uma vez disse que "gravidez não é doença" a uma senhora que tinha faltado ou que ia para a baixa mais cedo. A vida prega partidas curiosas.

Fui assim atirado aos leões. "Olha, ela agora não volta tão cedo. E eu sei que não vieste para cá para desempenhar estas funções, mas gostaria que fosses dando uma ajuda aqui ao pessoal. Sem ela isto vai ficar muito desamparado".

Inicialmente não pensei em aceitar. Na verdade acho que nem cheguei a dizer que aceitava. Quando dei por mim já estava sentado na secretária dela e a gerir uma centena de pessoas. Ia dando uma ajuda, mas com o passar do tempo era eu que tinha de ajudar os outros. 

Inicialmente não me incomodou nem alegrou muito esta alteração. Apenas ia a reuniões que nunca antes tinha ouvido falar, tratava de assuntos que nunca me tinham passado pela cabeça,... mas encarava tudo como uma pequena aventura. Ela tinha um cargo semelhante ao que eu espero desempenhar daqui a uns anos, porque não? Era encarado pelas pessoas de forma mais respeitosa apesar de eu insistir que podiam tratar-me por "tu". Estava a lidar com gente que trabalha ali há anos, eu nem há 1 ano lá estava e era a minha primeira experiência profissional. 

Mas passei por situações apertadas. Momentos menos bons. Quando as responsabilidades aumentam as dores de cabeça também. E tive dias em que saí de lá a repensar o meu futuro. Tinha pessoas a gritar-me ao telefone por causa de problemas que não tinha conseguido resolver, mesmo que eu não tivesse culpa. Fazia de tudo para que pudesse tudo dar pelo melhor jeito, mas por vezes não dava para muito. Quando se está dependente de outros às vezes é assim, seja de dentro ou de fora da empresa. 

E depois ainda havia a indignação dos meus semelhantes. Ninguém me obrigou (mais ou menos) a assumir o cargo que assumi. Aceitei-o porque vi que iria crescer profissionalmente e como homem. Mas custa não ter tempo nem para tomar um café e saber que há estagiários que tomam pausas de meia hora para o fazer. Ou que andam pela empresa a passear. E que chegando a hora de ir embora são dos primeiros a marcar saída enquanto eu ficava sempre mais 10/20 minutos. E ao fim do mês ganhamos o mesmo. E que nem um "bom dia" sabem dar quando eu dava sempre. Seria inveja? Queria vê-los na posição em que eu estive, a sério que gostaria de vê-los. Não teriam nenhuma inveja. 
Talvez aí tivesse sido mais valorizado.

Acho que é um dos principais problemas das empresas. A desvalorização da valorização. 
Sempre me senti um miúdo no desempenhar das minhas funções. Ainda mais quando pela primeira vez falava mano-a-mano com pessoas com quem troquei dezenas de emails e estas diziam "ai, imaginei que fosse mais velho". De reparar que nenhuma destas pessoas me perguntou a idade, bastava olhar para mim. Nunca ninguém tão novo assumiu o posto que eu assumi lá dentro. E vou assumir como um elogio o fato de sempre me tratarem como um igual. Como se eu não fosse um miúdo.
Mas por outro lado... eu sou um miúdo. Um miúdo grande, mas um miúdo. Raríssimas vezes alguém se ofereceu para ajudar nos assuntos novos para mim. Tive de desenrascar-me e "dar ao pedal" desde o início. Se calhar propuseram-me por ser bom nessas duas artes.
Nunca recebi uma crítica. Mas também nunca ouvi um elogio. Pelo menos de um superior ou igual. Ouvi muitos das pessoas abaixo de mim. Dos que me viram ascender mesmo à frente deles. E são aqueles que mais que custa despedir.

Chegando o meu estágio ao fim fui procurando outras oportunidades fora dali. Ainda conversei com 3 empresas e acabei por ser seleccionado por uma para a qual não me tinha candidatado. No dia em que dei o sim o meu chefe ligou-me. De férias. Era por causa do meu fim de estágio. Respondi que estava disposto a ouvir uma proposta, mas já sabia que só ficaria se não tivesse outro lugar para onde ir. Passados uns minutos já tinha, foi quando me ligaram. 

Falei pessoalmente com ele dias depois de ele regressar. E disse que não ia ficar, que já tinha outra coisa. Não cheguei a ouvir valores, mas tinha a certeza de que já tinha arranjado algo melhor. Menos responsabilidade e maiores regalias. Mas não lhe disse isso.

Despedi-me ontem de quase todos. Levei bolo e sumos para não dizerem que não o tinha feito, mas ninguém levaria a mal, era só uma brincadeira, um modo de despedir-me com alguma cerimónia. 

Tive surpresas, prendas e até lágrimas de uma pessoa que nunca imaginaria ver a chorar. Agora estou em casa a descansar. Vou ter uns dias de férias até que comece a trabalhar no outro sítio. Vou planear um passeio para o fim de semana com a namorada. 

Levo um pouco de onde estive no coração. Ainda me custa um pouco não saber o que fazer a uma terça-feira sem ser estar ali na minha antiga secretária. 

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