E se doar um orgão quando morrer?

Como qualquer ser humano comum, sempre tive um grande receio sobre a morte, e o que vem depois dela. Durante anos e anos acreditei que se me portasse de acordo com o que é considerado "bem", iria para o céu. Também que poderia voltar numa reencarnação. Hoje em dia tenho pensamentos mais terra a terra, mais carne e osso, e acredito que somos todos iguais e que a vida é isto e depois... acabou. Guardo sempre alguma esperança de que esteja enganado, mas penso que é isso que mais me faz temer a morte: a esperança de poder voltar. Ou melhor, a possibilidade de estar enganado quanto à reencarnação ou a ida para o céu. Se a vida for isto, uma viagem apenas de ida, não vejo porque temer a morte. Nunca ninguém se queixou de ter morrido na verdade. Aproveitem a vida.

Passando agora para o assunto do título: e se doar um orgão quando morrer? E se doar o corpo à ciência? Desculpem o assunto macabro, mas é um assunto que considero interessante.

Há uns anos atrás se me perguntassem isso teria uma imediata resposta negativa. "Oh, nem pensar, é o meu corpo, era o que faltava".

Trata-se de um pensamento egoísta. Não deve faltar gente com problemas e necessidade de um orgão ou outro. Que nos custa? Na verdade não deve custar, na medida em que já não vamos estar cá. Estamos a ser úteis até depois da nossa morte.

Um dia visitei o museu anatómico no ICBAS com uns amigos meus, graças a uma amiga de medicina que lá estuda. Tenho um certo gosto por coisas macabras, que dêem algum arrepio ou adrenalina. E saí dali pensativo com o que vi. Um médico não é capaz de olhar para a vida da mesma maneira que nós após tirar o curso (pelo menos o curso). E até eu não fui capaz desde esse dia. É estranho ver partes de um corpo como o nosso expostas como se num museu. Ou num carro numa sala como se fosse num talho (mas sem facas e sangue, também não exageremos). Sim, um carro com partes de corpo por analisar ou tratar. Foi um pouco chocante. Nunca saberei o que se passou com os donos dessas partes do corpo. Acho que essa ideia nos torna todos muito iguais, muita carne e osso. E assim pensei no meu papel futuro. Se devia ou não doar.

Não altera em nada o que vem depois. Querem um funeral típico? Acho que um defunto com 2, 1 ou nenhum rim tem basicamente o mesmo aspeto... Nem me vou alongar muito se a preferência for cremar.

“doar é acreditar num futuro que não nos pertence” 
psicólogo Carlos Céu e Silva
(retirado deste artigo do Público)

Segundo o que investiguei, cabe apenas passar por uns processos burocráticos como a escolha da entidade à qual vamos doar o corpo, preencher um acordo, ter testemunhas desse acordo e convencer a família (tem a última palavra).

O mais procurado passa por corpos de mulheres e crianças (este último deve ser invariavelmente trágico para aceitar doar assim de boa vontade). 

A tecnologia tem avançado imenso, mas nenhum médico vai ter uma carreira em que não tenha de tocar, de mexer num paciente, num corpo. Não há melhor treino e investigação do que este. Mexer nos vivos tem outras limitações, não esquecer que eles precisam de estar dispostos antes, durante e depois, e é necessário o uso de anestesia... 

Se leu este post leve pelo menos este pensamento consigo pela sua vida. Odeio hospitais e médicos, mas são eles que nos permitem viver mais e melhor. Ajudemos a que eles sejam melhores.

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