Algo sortudos aqueles que não gostam de futebol



É uma frase que comecei a dizer com alguma frequência desde o meu primeiro ano de faculdade. Habituado a uma cidade pequena onde se vive com alguma intensidade a vida dos 3 grandes, conhecer pessoas que afirmavam não ter clube ou não gostar de futebol era para mim uma pequena aberração. Com o tempo fui-me apercebendo que não gostar de futebol até é um pequeno luxo.

Parece-me um pouco triste haver pessoas que mantêm (e celebram) amizades em que tudo o que fazem é falar de futebol. Que se conheceram enquanto viam um jogo ou falavam sobre o seu clube no café. Que instantaneamente se tornam amigos só porque uma altura na vida deles escolheram apoiar as mesmas cores. Que se conhecem há anos a fio e pouco sabem da vida um do outro. Algo um pouco vazio. E eu tenho amizades dessas. Bastantes até. Ainda ontem fiz uma! E até foi isso que me deu a motivação para escrever isto.

Pedi o dia de ontem (sexta) e para fazer ponte no 24 de Abril e vim visitar a minha mãe. Jantámos fora e ela virou-se:

"-Olha, podíamos ir a seguir tomar café ali a um bar de um senhor meu amigo. É um bar novo e acho que vais gostar!"

O bar chamou-me logo à atenção pela entrada que tinha, parecia um misto de bar que se encontraria em Nova Iorque, daqueles assim exclusivos e com decoração toda citadina e tal, com um bar temático, assim com uma entrada a fazer lembrar que vamos entrar num sítio chamado "Faraó", "Ramsis" ou "Atenas" devido aos pilares que a entrada tinha. Não sou o melhor a caracterizar entradas de bares, mas adiante. Ela pediu um café e eu uma Super Bock Stout, conversámos um pouco com a mulher do dono. "Já conhece o meu filho?". "Então veio cá visitar a mãe?". Por aí.

Lá chega o dono. A conversa começou calmamente, assuntos do dia a dia, do trabalho e do bar em si. Do nada calha à conversa o dérbi de hoje. E a conversa transforma-se. Descubro que é Sportinguista como eu. Descobre que sou Sportinguista como ele. Passados 15 segundos já me trata por tu, mostra-me fotos de camisolas e sítios onde espalhou o seu amor verde-e-branco, contam-me histórias de clubes que estagiaram ali perto, das camisolas que tem guardadas religiosamente, dos jogos que mais nos marcaram. Até houve um pequeno momento de ódio ao Moutinho ("Tenho uma camisola autografada por ele, e só não a deitei fora porque também está assinada pelo Manolo Vidal!" e outro nome que infelizmente já me esqueci, foram muitas assinaturas que vi ontem). Trocámos números de telemóvel, já somos amigos no facebook, saí do bar com a promessa de receber uma camisola autografada pelos veteranos que vinham aí jogar e inchado de sportinguismo e satisfação.

Tudo isto porque gostamos de futebol. E do mesmo clube. Não foi preciso mais.

Nada contra. Amizade é algo que tanto pode ser muito simples como de complexo e não sou ninguém para questionar se uma amizade baseada numa única coisa em comum é mais sentida e verdadeira do que uma amizade de infância, por exemplo.

Mas isto das amizades até é uma coisa bonita, talvez do melhor que o futebol pode trazer, para além de uma maior motivação para o desporto e distrações deste mundo de terrorismos e crises à nossa volta.

Já fui um grande fanático por futebol e pelo meu clube.
Apenas com o tempo vou ganhando mais calma e começo a ver que basicamente são 11 atrás de uma bola durante uma hora e meia. E quão surpreendente é o nível de paixão que isto gera. 

É euforia naquele golo mesmo importante, uma imensa alegria nas grandes vitórias, os risos e o gozo quando o nosso clube vence aquele nosso amigo que nos andava a "picar". Mas também é o choro e a azia nas derrotas que mais nos magoam, a desilusão no golo sofrido, a raiva de ver o clube a ser "roubado". E é neste ponto que me queria focar.

Atualmente o futebol anda a mexer demasiado com as pessoas. Já foi um desporto de cavalheiros mas hoje nem sei o que dizer. Há um ódio crescente entre as claques, comentadores a perder a cabeça na televisão, cânticos polémicos a desvalorizar tragédias graves, até mortes. Tudo por causa do futebol. Por causa de um desporto. Por causa de 11 tipos que não nos conhecem mas que nós idolatramos por causa da cor que vestem ou do que fazem a uma bola com os pés. Pouco mais.

Com o tempo vou prestando cada vez mais atenção a tudo o que faço, ao que vou levar desta minha vida. Eu e os outros. E grande parte dela foi o futebol. Seja discutir, ver jogos, jogar com amigos, jogar na playstation ou no computador. Mesmo sabendo que há coisas piores para se gastar tempo na vida, não consigo deixar de me aperceber que o futebol no fim de contas não é quasse nada... Por isso é que dei o título a este artigo. 

Não digo que devíamos trocar todo o tempo que gastamos com o futebol por livros, voluntariado, música ou seja lá o que for, mas não consigo deixar de pensar que temos tantas coisas mais enriquecedoras para fazer do que o futebol. Até porque aqueles que não gostam de futebol de certeza que têm outras coisas que lhes ocupem o tempo que se analisarem bem até podem considerar uma inutilidade no fim de contas.

Mas parece que ser humano é mesmo assim. Gastar uma vida inteira a pensar apenas na nossa sobrevivência e procriar já não é para nós. E talvez não tenhamos como fugir a estes vícios que no fundo não são nada.

Ainda hoje gastei dinheiro a comprar "O JOGO" e fiquei super entusiasmado com as camisolas de futebolistas que estavam no restaurante onde almocei. E já tinha escrito metade deste texto.

E assim continuarei durante alguns anos. Ano após ano a gastar tempo e dinheiro em camisolas, bilhetes, viagens e sei lá que mais. Tempo que podia gastar em algo mais enriquecedor. Por isso é que invejo um pouco aqueles que não gostam de futebol.

No fim de contas:
"I know it's just footbal, but i love it"

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